domingo, 11 de abril de 2010

E aqueles olhos de comer...

Nem uma Geny, nem uma Baleia, personagens eternizados. Era igual a todos nós, nem a ressalva de ser um olimpiano, não possuía grandes perspectivas de um futuro genial. Todo o dia comia, dormia, levantava-se, ralhava com os filhos, fazia amor. E na mais rotineira rotina resolveu se desvencilhar da sua liquidez monótona do dia-a-dia. Prontificou-se a aprender utilizar o computador, e a realizar loucuras passionais. Queria tornar-se um deles, igualzinho, com um lugar de destaque nesta terra.

O que poderia fazer então para atingir o posto que seus olhos passaram a desejar? Por causa dessa vontade substancial iniciou seu caminho com aquilo que poderia ser mais barato e ao seu alcance. Matriculou-se num desses cursinhos que custam pouco e que promovem o ensino médio em seis meses, até então só conhecia a oitava série e muito mal cursada por sinal. Que desanimar que nada, aprendeu a ler, e já com as palavras conhecidas por ele, espalhou por muitos lugares o papel com suas referências.

De fato um retirante que regalou os olhos para os seus desejos, um tanto tarde. Agora já sabia ler, usar o computador, e amar de maneira diferente. Só faltava o lugar de destaque nessa terra, eis aí seu maior desafio. Passou na frente de um teatro, e seus olhos pareciam comer cada canto da arquitetura, cada pequeno detalhe da pintura, da decoração e das letras dos cartazes que agora conhecia com intensidade e a vivacidade que elas provocam em todo novo saber.

A peça em cartaz era a Roda Viva. E ele desejou fazer parte desta roda, e desta vida com uma monstruosa vontade que seus órgãos e víceras poderiam ser servidos como comida, do lado de fora do corpo. – É isso que eu me tornarei, um pedacinho da roda – e correu, correu, correu, atravessou a rua, acompanhou o movimento e subiu ao palco. Lá estava ele, com seu lugar na terra, sendo aquele que rege seus próprios caminhos e sua própria vida sem que ninguém ficasse ao seu ouvido, lhe dizendo o que fazer.

E como todos nós, inclusive os olimpianos, ele deslumbrado não percebeu que ninguém rege nada, e quão mais alto seu posto maior seus compromissos e seus deveres. Ele não mais comia, dormia, levantava-se, ralhava com os filhos, fazia amor. Agora ele era palco, ele era roda, e só sabia rodar, rodar, rodar, e encontrou no seu lugar na terra, uma gigantesca falta de vida e sentiu uma tremenda vontade do passado. Pareceu querer tudo de volta.

Já não podia descer do palco e pelo que fazia iria continuar lá por longos anos. Ele esqueceu que os seres humanos tem valor pelo que são e não pelo dinheiro que acumulam numa conta bancária, esqueceu que é belo observar o crepúsculo depois um longo dia de trabalho, que os filhos são o amor e que o amor pode ser cansativo ao mesmo tempo que é extasiante, a vida é um cotidiano de pequenas coisas, e que estas são a felicidade e o lugar na terra.