terça-feira, 31 de maio de 2011

O amor romântico está saindo de cena. Entrevista com Regina Navarro sem cortes

Todos os dias, a partir das 9 horas da manhã ela já está no twitter falando sobre relacionamentos amorosos e essa rotina segue até a 1h da madrugada. A sexóloga, psicanalista e escritora de sucesso, Regina Navarro Lins (@reginanavarro) atua há 37 anos como terapeuta individual e já escreveu 10 livros, incluindo o Best Seller “A cama na varanda”. Atualmente é colunista de vários sites e consultora de relacionamentos amorosos. Adepta das redes sociais ela utiliza o espaço para fazer proposições e reflexões nada conservadoras sobre as maneiras como as pessoas poderiam pensar o Amor e o Sexo. Em entrevista ao Jornal Meio Norte, a escritora falou abertamente, sobre hábitos sexuais, preconceito e o fim da exclusividade.



A sua palestra em Teresina, tem o tema “Amor e Sexo: O futuro que se anuncia.”, porque essas atividade são encaradas como eventos do futuro? As pessoas estão amando menos ou fazendo menos sexo no presente?
O título da palestra Amor e Sexo: o futuro que se anuncia se refere às tendências das relações amorosas no futuro. Estamos no meio de um processo de profunda mudança das mentalidades que se iniciou nas décadas de 1960/1970, com o advento da pílula anticoncepcional e com todos os movimentos de contracultura do período.

Homens e mulheres fazem sexo em menor quantidade do que necessitam e com muito menos qualidade do que poderiam, se frustrando durante sua própria realização. Mas isso não é de hoje. Há dois mil anos o sexo é visto como algo sujo, feio, perigoso. O pré-requisito básico para haver uma relação sexual satisfatória é a ausência de repressão, vergonha ou medo. Na sociedade hipócrita e moralista em que vivemos, uma sexualidade plena e satisfatória é muito rara, só se observando em alguns poucos casos. Para haver um sexo realmente prazeroso é fundamental que os homens se libertem do mito da masculinidade, e as mulheres do amor romântico e da ideia de que devem corresponder às expectativas do homem. É grande a quantidade de homens que vão para o ato sexual ansiosos em cumprir uma missão: provar que são machos. A preocupação em não perder a ereção é tanta que fazem um sexo apressado, com o único objetivo de ejacular, e pronto.

A mulher, com toda a educação repressora que teve ainda se sente inibida em sugerir a forma que lhe dá mais prazer. Acaba se adaptando ao estilo imposto pelo homem, principalmente por temer desagradá-lo. Fazer sexo mal é isso: não se entregar às sensações e fazer tudo sempre igual, sem levar em conta o momento, a pessoa com quem se está e o que se sente. As pessoas que gostam de verdade de sexo e o sabem fazer bem não têm preconceito, consideram o sexo natural, fazendo parte da vida. A busca do prazer é livre e não está condicionada a qualquer tipo de afirmação pessoal. Então, o sexo é desfrutado desde o primeiro contato, e se cria o tempo todo junto com o parceiro, até muito depois do orgasmo. O único objetivo é a descoberta de si e do outro, numa troca contínua de sensações, em que cada movimento é acompanhado de nova emoção.

O ato sexual pode ser uma comunicação profunda entre duas pessoas, e para isso é importante que não se tenha nada planejado, sendo criação contínua em que nada se repete. Sendo assim, o sexo deixa de ser a busca de um prazer individual para se tornar um poderoso meio de transformar as pessoas. E nem é necessário haver amor. O ponto de partida fundamental para uma relação sexual de qualidade é o desejo.

Em entrevista a apresentadora Marilia Gabriela a senhora falou que as pessoas casam por necessidade. Que necessidades seriam essas? As pessoas estão mais solitárias na contemporaneidade?


O que eu quis dizer é que a maioria das pessoas não desenvolveu a capacidade de viver bem sozinho, até mesmo para escolher melhor o parceiro amoroso. Muitos casam por necessidade de ter um parceiro (a) e não por prazer da companhia do outro. Mas isso está mudando. Cada vez menos pessoas estão dispostas a pagar qualquer preço só para ter alguém ao lado. Não é verdade que a solidão seja uma praga moderna. Os hindus dizem, em um dos seus mais antigos mitos, que o mundo foi criado porque o Ser Original se sentia solitário. É infundada a crença de que a sociedade moderna condena os indivíduos à solidão. Quando a Internet surgiu, há poucos anos, dizia-se que o ser humano estaria definitivamente perdido e que as pessoas, cada vez mais solitárias, iriam se relacionar exclusivamente com a máquina. Acreditavam que o avanço tecnológico vencia, subjugando a todos, e em breve não haveria qualquer possibilidade de troca afetiva nas relações humanas. Mas nada disso aconteceu. Nunca foi tão fácil não ser sozinho.




Se a tendência do casamento é diminuir, podemos dizer que os próximos anos serão balizados pela máxima, solteiros sim, sozinhos nunca?

Fomos ensinados a acreditar que só é possível viver bem se formarmos um casal, o que leva muita gente procurar desesperadamente um par. É comum ouvirmos a frase: “Estou procurando alguém que me complete!” O único problema é que tudo não passa de uma ilusão. Na realidade, ninguém completa ninguém. Mas, ignorando isso, reeditamos inconscientemente com o parceiro nossas necessidades infantis. O outro se torna tão indispensável para nossa sobrevivência emocional, que a possessividade e o cerceamento da liberdade sobrecarregam a relação. Por mais encantamento e exaltação que o amor romântico cause num primeiro momento, ele se torna opressivo por se opor à nossa individualidade.

Entretanto, vivemos um período de grandes transformações no mundo e, no que diz respeito ao amor, observamos que o dilema cada vez mais se situa entre o desejo de simbiose e o desejo de liberdade, sendo que este último começa a predominar. Contudo, a condição essencial para ficar bem sozinho é o exercício da autonomia pessoal. Isso significa, além de alcançar nova visão do amor e do sexo, se libertar da dependência amorosa exclusiva e “salvadora” de alguém. O caminho fica livre para um relacionamento mais profundo com os amigos, com crescimento da importância dos laços afetivos. É com o desenvolvimento individual que se processa a mudança interna necessária para a percepção das próprias singularidades e do prazer de estar só. E assim fica para trás a ideia básica de fusão do amor romântico, que transforma os dois numa só pessoa. E quando se perde o medo de ser sozinho, se percebe que isso não significa necessariamente solidão.

Mesmo com as grandes discussões sobre liberdade sexual pelo mundo, este tema ainda é tabu. A senhora que já escreveu muitos livros nesse sentido, também trabalha cotidianamente com o tema poderia apontar porque as pessoas ainda tem medo de falar sobre sexo?

A repressão sexual é um conjunto de interdições, permissões, valores, regras estabelecidas pelo social para controlar o exercício da sexualidade. Ela faz com que muita gente reprima seus desejos menos convencionais ou desista do sexo e fique quieta no seu canto. No Ocidente o sexo é visto como algo muito perigoso. A condenação do sexo surgiu, com o patriarcado restringindo-se, no início, às mulheres, para dar ao homem a certeza da paternidade. No cristianismo a repressão sexual generalizou-se. O padrão moral tornou-se, em tese, o mesmo para homens e mulheres, embora na prática houvesse maior condescendência para com o homem. A repressão não é apenas algo que vem de fora, submetendo as pessoas. As proibições e interdições externas são interiorizadas, convertendo-se em proibições e interdições internas, vividas sob a forma de vergonha e culpa.
A questão é que quando a repressão é bem-sucedida, já não é sentida como tal e a aceitação ou recusa por um determinado tipo de comportamento é vivido como se fosse uma escolha livre da própria pessoa. A doutrina de que há no sexo algo pecaminoso é totalmente inadequada, causando sofrimentos que se iniciam na infância e continuam pela vida afora. O psicanalista Wilhelm Reich considerava que as enfermidades psíquicas são a consequência do caos sexual da sociedade, já que a saúde mental depende da potência orgástica, isto é, do ponto até o qual o indivíduo pode se entregar e experimentar o clímax de excitação no ato sexual. José Ângelo Gaiarsa afirmava que uma explicação possível para haver tanta repressão reside no fato de que, quanto mais o indivíduo vai ampliando, aprofundando e diversificando sua vida sexual - e isso significa transgredir -, mais coragem ganha para fazer outras coisas, questionar outros valores. Começa a viver com maior vontade e decisão. Pode começar a se tornar perigoso. Então, não deve ser à toa nem por acaso que as forças repressoras de todas as épocas se voltaram tão sistemática e precisamente contra a sexualidade humana.
Há alguns meses tive a prova de como o sexo é visto como perigoso ao participar ao vivo do programa Sem Censura, da TV Brasil. Logo no início, a apresentadora Leda Nagle me perguntou sobre os resultados da pesquisa que fiz. Quando eu disse que me surpreendeu o fato de 77% terem declarado desejar fazer sexo a três, ela me impediu de continuar falando sobre isso. Alegou ser 16.30h e estarmos numa TV pública. Penso ser necessário refletirmos sobre esse absurdo. Não tenho dúvida de que essa repressão que impede de se conversar livremente sobre sexo é nociva. Além de tantos prejuízos causados à vida íntima das pessoas, ela está entre as causas da violência e dos crimes sexuais.

Os homens e mulheres agora exercem novos papéis sociais, os homens estão menos machões e as mulheres menos donas de casa. Essas mudanças ainda geram preconceitos? Essas alteração mudaram a forma como as pessoas se relacionam afetivamente?

No passado havia a ideia de possessão e sacrifício pelo outro. A paixão significava uma escravidão. Embora haja pessoas ainda vivendo no passado, está surgindo uma nova dimensão do amor, onde há mais troca e a tentativa de um equilíbrio, sem sacrifícios. As fantasias do amor romântico se baseiam na dependência entre os amantes. Por essa razão, elas não conseguem mais satisfazer os anseios daqueles que pretendem se relacionar com seus parceiros como eles são e viver de forma mais independente.

A tendência hoje é o desejo de viver um amor baseado na amizade. Para isso são necessárias novas estratégias, novas táticas por meio de experiências nunca antes tentadas. Para conhecer o outro é preciso um encontro sem idealização, reproduzir o passado não é mais suficiente. Muitos gostariam de inventar uma nova arte de amar, e pela história fica claro que existem precedentes, portanto, é possível fazê-lo. O amor romântico começa a sair de cena, levando com ele a idealização do par romântico, com a ideia dos dois se transformarem num só e, consequentemente, a ideia de exclusividade. Com isso, abre-se a possibilidade de se amar e de se relacionar sexualmente com mais de uma pessoa ao mesmo tempo.


Como você definiria, classificaria, o amor e o sexo nos tempos de hoje? Seria uma coisa Baumaniana, da liquidez , onde as relações são frágeis?

A fusão proposta pelo amor romântico é extremamente sedutora. A grande maioria das pessoas acredita que não há remédio melhor para o nosso desamparo do que a sensação de nos completarmos na relação com outra pessoa. Entretanto, hoje, a vida a dois, numa relação estável — namoro ou casamento — se tornou difícil de suportar diante das transformações e apelos da sociedade atual. Principalmente porque sempre se aceitou como natural que um casal vivesse numa relação fechada, onde só participavam a possessividade, o controle e o ciúme. Mas, no momento em que os modelos de amor, casamento e sexo se tornaram insatisfatórios, abriu-se espaço para novas experimentações no relacionamento afetivo-sexual.
O sociólogo inglês Anthony Giddens chama de “transformação da intimidade” o fenômeno sem precedentes de milhares de homens e mulheres que, estimulados pelos amplos movimentos sociais atuais, estão tentando, consciente e deliberadamente, desaprender e reaprender a amar. Tudo indica que as relações amorosas no futuro serão mais livres e, por isso mesmo, mais satisfatórias. Não alimentando fantasias românticas de fusão com outra pessoa, cada um tem a oportunidade de pretender se sentir inteiro, sem necessitar de outro para completá-lo. Aí então será possível descobrir as incontáveis possibilidades do amor e como ele pode se apresentar para cada pessoa em cada momento de diferentes maneiras.