quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Indústria de papéis e o desafio de publicar


Thays Helena Silva TEIXEIRA
Jornalista. Aluna do programa de pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal do Piauí (PPGCOM-UFPI). Pesquisadora do Grupo de pesquisa em Comunicação, Economia Política e Diversidade (COMUM).

Publicar para quê, se é sem querer? Parafraseando o verso da música “Sem querer” de Renato Russo proponho uma breve reflexão sobre o universo das publicações científicas. Nas primeiras aulas do meu curso de Mestrado a professora Dra. Graça Targino argumentou que papel não era tudo. Ela se referia ao exagero de cobranças em relação às publicações e a despeito da quantidade delas. Reconhecidamente esse é um desafio para todos aqueles que arriscam enveredar pelo universo científico. Publicar em periódicos deixou de ser uma proposição da meritocracia e passou a ser uma “titulocracia”.
Aterroriza-me os editais das publicações: SÓ ACEITAMOS TRABALHOS DE DOUTORES! Até a oportunidade de avaliação de trabalhos, que pudessem contribuir para a compreensão do campo científico, feitos pelos não portadores de tais títulos é usurpada.
Mas por quê? No encontro nacional da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom), em 2011, a temática do evento era baseada em uma pergunta: “Quem tem medo de pesquisa empírica?”, e tentava debater sobre este universo nas pesquisas em Comunicação, inclusive a divulgação delas. No entanto o que mais me chamou a atenção naquele evento não foi à temática central, e sim um grupo de discussão que analisava o processo avaliativo da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), em relação aos programas de pós-graduação no Brasil e das revistas científicas, principalmente o sistema Qualis.
O sistema Qualis nivela a “qualidade” das revistas científicas no país. Ele institucionaliza pontuações para elas e dentre os critérios avaliativos está à exigência de publicações de doutores. O sistema sugere que quanto mais doutores publicam, e de outras regiões que não contemplem o espaço geográfico de tais revistas, melhor ela será indexada. Oras, com um sistema de produção nesses moldes e com exigências deste tipo não é de se surpreender que os corpos editoriais das revistas reproduzam o mesmo caminho. A intenção de cada edição é subir de “nível”, no ranking que é realizado.
Naquele mesmo grupo de debates, o professor do Programa de pós-graduação em cultura contemporânea da Universidade Federal da Bahia, André Lemos apontou que este é um problema que acarretam outros. O pesquisador afirmou que tais cobranças fomentam uma produção indiscriminada de artigos científicos, e a multiplicação de produções feitas por um autor, assinadas em grupo somente para conseguir atingir a cota, e conseguir burlar o sistema de aceites.
Isso fomenta um duvidoso olhar sobre os trabalhos científicos. A qualidade dos mesmos é posta em xeque e os autores acabam, como se diz pelo Nordeste, “parindo artigos”. Isso significa que ficam sem tempo satisfatório para avaliar o grau de coerência dos trabalhos e se de fato há contribuição para a realidade social ou para a própria ciência neles.
Esse cenário indica que é preciso repensar a proposição inicial. De fato, os papéis não são tudo, mas esse modelo produtivo de trabalhos acadêmicos, em estilos neoliberais faz com que eles se tornem. E até mesmo aqueles docentes que discordem dessas orientações se veem obrigados a seguir a mesma linha produtiva para garantir direitos em seus locais de trabalho, as universidades.
Os processos globalizantes da academia transformaram o mundo científico em um caleidoscópico social, onde as estruturas de poder, políticas e culturais se encontram enviesadas pela lógica econômica. Assim, a luta dos capitais simbólicos parece perder espaço, enfraquecendo exponencialmente a autonomia da ciência, como tanto defendia o sociólogo Pierre Bourdieu (2004).
É preciso repensar o modo como são feitas as pesquisas cientificas e os desafios para que esse modo de fazer ainda atinja outro patamar. Que o campo científico se torne menos político e corporativista e passe a ser pensado a partir de seus próprios desafios e problemas, sem uma influência tão marcante de instituições de gestão. Assim a noção de campo é implantada como uma prática combativa, onde é preciso criticar os modelos atuais.Bourdieu faz verdadeiro convite, em prol da mobilização do coletivo científico para que ele vá buscar a sua própria autonomia. “O campo científico é um mundo social” dizia ele.
A ciência deve ser colocada ao uso da ciência – um dos usos sociais que é esquecido. A legitimação da prática científica é argumentada pela demanda social, em muitas instituições como uma forma de justificar determinadas atitudes. As particularidades internas de cada campo mudam radicalmente as noções, que cada um possui quanto a quem interessa de fato, a ciência.
Essa busca por uma autonomia, talvez seja a saída para o problema posto em voga, neste espaço. Como evitar o preconceito de publicações advindas de pesquisadores que ainda não possuem os títulos máximos? O que se deixa de lado com esse modelo é muito mais que qualificação de pesquisadores. Fica de fora do circuito das publicações às polifonias, a criatividade, a genialidade e o direito de poder divulgar aquilo que se descobre ou observa por meio da ciência.
E finalizo lembrando Carl Sagan, se a ciência é a nossa coisa mais preciosa, porque divulgar nossas preciosidades está tão mais difícil? Talvez seja mesmo a industrialização do conhecimento.

Bibliografia consultada
BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: UNESP, 2004.
BRAGA, José Luis, A constituição do Campo da Comunicação. Revista Verso e Reverso, UNISINOS, 2011.
SAGAN, C. A coisa mais preciosa. In: SAGAN, C. O mundo assombrado pelos demônios: a ciência vista como uma vela no escuro. São Paulo: Companhia da Letras, 2005.
TARGINO, Maria das Graças. Libertação pela redação técnico-científica. In: DUARTE, J.; BARROS, A. T. de. Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. 2. ed. 2. reimpressão. São Paulo: Atlas, 2008. p. 364–380..