sexta-feira, 31 de maio de 2013

O sambista e o perfume

Depois de passar mais de cinco vezes em frente ao mesmo barzinho, as amigas decidiram entrar, custava apenas 10 reais. Aquela noite prometia muito samba, era uma quinta-feira, era na Lapa. Duas cervejas e uma caipirinha, apenas isso para termos certeza que a alegria iria imperar naquele dia.

Em meio a um SMS, que ficou pelo caminho, e seria enviado a uma amiga, um cheiro suave e expressivo chegou e me roubou para dançar. Daí tudo mudou e os meus pés que não eram muito bons com a dança, rapidamente inventaram de acertar os passos para entrar no samba. E lá estava a pleno vapor e no ritmo dos sambas tradicionais e dos sambas enredos comuns na rotina da carioquíssima e boêmia Lapa.

Mas o perfume, ah o perfume, ele era suave como a brisa que chegava pela porta a cada parada entre uma música e outra. Um cheiro marcante como os sons dos instrumentos que compunham a roda de samba que animava aquela casa de shows. E não podia ser diferente, a vida nos levou a uma sequência de experiências sensoriais que marcariam a memória por horas e horas, dias e dias, propositadamente para sempre. Esse é o papel da saudade, deixar um cheiro.

Aquela noite chegou ao fim, pegamos o táxi e chagamos na Glória. O cheiro do sambista veio junto, estava impregnado na roupa, da mesma maneira na memória. Junto com ele chegou uma delicada mensagem que carinhosamente dizia: foi bom conhecê-la, foi muito legal dançar com você, quero mais! O quero mais era tão compartilhado que mesmo com muito sono a ansiedade pelo outro dia atormentava a dormida. O cheiro, mesmo com o banho, insistia em permanecer, e as pernas depois de muitos rodopios estavam marcadas pelo desejo de continuar também.

Os dias que se seguiram foram à mistura perfeita de samba e perfume! Na realidade de músicas e perfumes. O jovem sambista me roubaria todas as noites seguintes até que aquela viagem chegasse ao fim. E quando a hora chegou à vontade de repetir tudo de novo insistia em permanecer. Ele me fizera sorrir, me fizera dormir pouco, me fizera andar pelo calçadão de Copacabana, me fizera sentir frio só pra eu pedir vários abraços. Tudo isso me fazia querer de novo, e de novo.

No fim dessas linhas eu acho que o cheiro do sambista, seu sorriso alegre, seus passos avassaladores pelo salão insistem em me acompanhar. Ele parece que está bem ali, e que a viagem não chegou mesmo ao fim. Eu tenho a leve impressão que ainda estou usando o meu chapéu panamá e estou preparada para mandar uma mensagem e novamente aquele cheiro vai me tirar para dançar. Cadê?

A saudade é como molho agridoce

O grande rei do baião disse uma vez: “a saudade amarga que nem jiló”, mas o mesmo gênio da composição musical nordestina afirmou também que este sentimento pode ser bom. E nessa linha tênue entre o bom e o ruim a saudade movimenta a vida de muitas pessoas, de todas possivelmente. Quem nunca sentiu saudade daquela velha roupa que viu outro dia em uma foto antiga? Quem nunca sentiu saudade daquelas brincadeiras da infância que nos deixavam sujos como o quê? Quem nunca sentiu saudade daquele primeiro amor, ou de um doce familiar que se foi? Quem nunca?
            São tantos quem e tantas velha lembranças, que temos vontade de lacrimejar só em pensar que foi bom viver muitas dessas coisas. Mas também sentimos vontade chorar todas as vezes que lembramos que algumas delas foram dolorosas e tristes. A saudade se configura nesse entremeio de  coisas que não podemos mensurar, nem quantificar mas sabemos que estão ali ou que já estiveram em algum momento de nossa história. E porque esse sentimento é tão presente em nós? Seria mais fácil não lembrar, não ter vontade de reviver, ou de sentir muitos desses momentos. Seria, mas não é assim que a vida gira.
            O que temos é esse principiar e fim, é esse monte começo e monte de finais. As coisas da vida parecem mesmo últimos capítulos de novelas, onde paramos para ver e nos empolgamos com as formas que as façanhas e vivências terão, queremos saber como findará. E esse desejo de fim se une com aquela ganancia pelo botão de resetar, que nos garantiria a possibilidade de começar tudo de novo. O botão reset que está presente apenas nos vídeo games não foi dado para a humanidade. Nós humanos no máximo conseguimos inventar para nos próprios as memórias e junto delas a valiosa saudade.
            Hoje  é o dia de um bom samba igual aquele que dançamos na última semana, em que  viajava com uma amiga. Na realidade hoje é o dia de ir ao samba, contudo somos nós que não estamos mais lá, naquela cidade animada que tem dias onde se toca apenas samba. Somos nós que pela necessidade de sentir saudade partimos para a nossa casa e deixamos os outros amigos, que certamente estarão naquele bom samba, logo mais a noite. E nós que não poderemos estar presentes ficaremos com aquela sensação de que estaremos perdendo algo, perdendo mais que bons passos pela gafieira, estaremos perdendo um bocado de sorrisos.
            Deve ser mesmo por que vamos perder os sorrisos de outrora, que vivemos por sentir saudades. Quando lembramos daquela velha roupa, ou daquele namoradinho de outrora, ou das brincadeiras,  ou do samba da última semana, estamos mesmo é lembrando dos sorrisos que ficaram no passado, dos sorrisos que não podermos mais ter de volta. Sentimos a dor e a delícia de saber que eles estão lá. É o sabor agridoce da saudade, que é delicioso como o mel e amargo como o jiló do seu Lua. E mesmo assim a gente sempre está correndo atrás de temperar a nossa vida com esse molhinho.
          
            Sorrindo mais um pouquinho vamos caminhar pelos lugares, e pensar sempre que a vida é assim um conglomerado de começos ameaçados todos os momentos pelos fins que eles precisam ter e pela vontade de perpetuá-los.
          
            Vai repetir o prato, meu senhor? E posso saber se gostaria de um pouco mais de molho dessa vez?

domingo, 5 de maio de 2013

E do meio do nada chegamos a um Lugar Comum *


Por Thays Teixeira

Planejamos começar muitas coisas todos os dias. Alguns desses planejamentos se perdem nas horas que se encaminham e ficam por lá, nas encostas do tempo. Mas outros não, outros dão certo e a concretude é o triunfo, ou o trunfo. E nessa história diária de começar coisas e de não, é que ousamos. Ousamos ver amigos, ousamos conhecer pessoas, ousamos conversar sobre esses planos e ousamos executá-los. Na maioria dos casos é essa ousadia o catalisador.

Na tentativa de colocar em prática qualquer coisa e transformar a pasmaceira do cotidiano, você acessa uma rede social para tentar ter uma grande ideia e ver ousadias alheias. As ideias parecem que não vem mais do nada nesse ambiente cheio de coisas repetidas e milhares de vezes reproduzidas. As ousadias estão lá temos apenas que encontrá-las. Tudo já está imerso na premeditação dos planejamentos iniciais dessa história.

Numa dessas maluquices de querer começar algo, você pode conversar com um velho amigo e lhe contar um plano, que nunca imaginou que dividissem. Escrever quem sabe, e mais que linhas cômicas em uma janela de bate papo, essa é uma coisa a se fazer. Que tal colocarmos em evidência aquele velho plano da manhã? Vamos escrever como sempre pensamos? Ou, vamos apenas escrever. E assim o entusiasmo da ousadia chegou audaciosamente.

E corremos para que esse plano não ficasse encostado nas armadilhas do tempo. Percorrer o caminho da aprovação de escrever, disso ser útil e mais ainda de isso ser possível de publicar. Contatos acionados e autorização garantida. Com tudo teoricamente finalizado vieram os medos: temas, frequência de escrita, compromisso, aprofundamento, ego alimentado, remuneração inexistente, contar aos amigos e família, alegria. O projeto novo começou!

Complexamente, as coisas do dia têm formas peculiares de principiar e que bom que tem. Do contrário, tudo seria uma permanente repetição e não fugiríamos do mito do eterno retorno de Nietzsche, se bem que, é legal pensar que tudo pode voltar outra vez, só não precisa ser igual. Nestes tempos, deve ser um pensamento assim que nos coloca a procura de novos projetos em meio às redes sociais, nas telas acesas e frias de um computador, ou algo semelhante. Deve ser o desejo de retomar algo, com feições de novo e um delicado sabor de plano repetido que nos coloca a prova.

Que ideal filosófico! Algo tão lugar comum, só pode começar mesmo de um simples plano de escrever e de publicar fora de uma página cheia de amigos selecionados e aceitos. E planejar coisas diariamente mantém o mesmo sentido da ideia comum de contar histórias de coisas e pessoas. A forma é tão aleatória que do meio do nada chegamos ao Lugar Comum de escrever, ou de tentar alinhar palavras. Talvez essa seja mesmo a perspectiva dos planejamentos: fazer com que coisas repetidas tenham cara de novas, cheiro de velhas e sabor de ousadia.

*Texto originalmente publicado no Jornal O Dia (Teresina - Piauí), em 04 de maio de 2013, na coluna Lugar Comum