quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Lágrimas e sabão

Dona Maria que todos os dias teimava em temperar a carne do mesmo jeito achava que deveria mudar. E a decisão veio depois que o seu menino mais novo reclamou dizendo que não gostava da sua comida porque havia pimenta demais. E todo mundo que já comeu o bife acebolada dela sabia que poderia ter outro nome: bife apimentado. Dessa maneira a velha Maria passou a colocar menos pimenta na comida.

Mas as mudanças da vida não acontecem aleatoriamente e muito menos afetam uma coisa apenas, naquele caso o gosto do almoço da família daquela senhora. A pimenta parece que se revoltou com a Maria e a abandonara, não somente o de comer. A pobre que vivia alegre e cantarolante enquanto compunha a comida dos filhos começou a perder o gosto por essa felicidade diária. A pequena reclamação do seu mais novo a fez pensar em tudo o que já vivera e o resultado desses pensamentos, a despimentaram.

É preciso aceitar muitas coisas que acontecem e algumas delas certamente lhe arrancam lágrimas. Depois você vai se acostumando e vivendo, mas aí chega uma hora que fica difícil e nos sobram as lágrimas novamente. Esse destino foi o de Maria. Ela por uma simples reclamação começou a rememorar os seus velhos sonhos e percebera que eles não tinham se tornado. A senhora começou a achar que ela havia transferido a pimenta de sua vida para o tempero da carne. Mas é aquela coisa, e ela entendia assim: as lágrimas são o sabão do corpo. Começou chorar.

Maria sonhava, quando ainda jovem, em ser artista, dessas que pintam quadros e conhecem o mundo inteiro. Ela sempre pensava na Frida Kahlo, mesmo não a achando um exemplo assim de belo. A artista mexicana era transgressora e sofrida e ela achava que a arte tem dessas coisas, é preciso sofrer antes de pintar. E mais que sofrimento a Frida tinha o sabor forte das pimentas mexicanas. Essa é a justificativa pelo uso das pimentas enquanto cozinhava, pensava Maria.

O vento que compõem a vida levou Maria para outro rumo, e não era aquele dos pincéis e do multicolorido das tintas. Acabara por casar com um amigo de infância e tivera com ele dois filhos, eram meninos. Maria seguiu esse caminho e não se incomodava com ele até o dia que o seu mais novo resolvera reclamar da pimenta da sua vida. Esse era o equilíbrio. E foi quebrado.


A senhora agora quarentona estava a chorar. E chorou por horas seguidas. Queria a pimenta, os pincéis, as tintas e o direito de sonhar novamente. Mas a vida é assim. E depois das lágrimas pegou a espoja e terminou de lavar as panelas que usaria para cozinhar o almoço naquela manhã. Ela usou o sabão.  

Thays Teixeira
Da Redação de um jornal.



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