Dona
Maria que todos os dias teimava em temperar a carne do mesmo jeito
achava que deveria mudar. E a decisão veio depois que o seu menino
mais novo reclamou dizendo que não gostava da sua comida porque
havia pimenta demais. E todo mundo que já comeu o bife acebolada
dela sabia que poderia ter outro nome: bife apimentado. Dessa
maneira a velha Maria passou a colocar menos pimenta na comida.
Mas as
mudanças da vida não acontecem aleatoriamente e muito menos afetam
uma coisa apenas, naquele caso o gosto do almoço da família daquela
senhora. A pimenta parece que se revoltou com a Maria e a abandonara,
não somente o de comer. A pobre que vivia alegre e cantarolante
enquanto compunha a comida dos filhos começou a perder o gosto por
essa felicidade diária. A pequena reclamação do seu mais novo a
fez pensar em tudo o que já vivera e o resultado desses pensamentos,
a despimentaram.
É
preciso aceitar muitas coisas que acontecem e algumas delas
certamente lhe arrancam lágrimas. Depois você vai se acostumando e
vivendo, mas aí chega uma hora que fica difícil e nos sobram as
lágrimas novamente. Esse destino foi o de Maria. Ela por uma simples
reclamação começou a rememorar os seus velhos sonhos e percebera
que eles não tinham se tornado. A senhora começou a achar que ela
havia transferido a pimenta de sua vida para o tempero da carne. Mas
é aquela coisa, e ela entendia assim: as lágrimas são o sabão do
corpo. Começou chorar.
Maria
sonhava, quando ainda jovem, em ser artista, dessas que pintam
quadros e conhecem o mundo inteiro. Ela sempre pensava na Frida
Kahlo, mesmo não a achando um exemplo assim de belo. A artista
mexicana era transgressora e sofrida e ela achava que a arte tem
dessas coisas, é preciso sofrer antes de pintar. E mais que
sofrimento a Frida tinha o sabor forte das pimentas mexicanas. Essa é
a justificativa pelo uso das pimentas enquanto cozinhava, pensava
Maria.
O vento
que compõem a vida levou Maria para outro rumo, e não era aquele
dos pincéis e do multicolorido das tintas. Acabara por casar com um
amigo de infância e tivera com ele dois filhos, eram meninos. Maria
seguiu esse caminho e não se incomodava com ele até o dia que o seu
mais novo resolvera reclamar da pimenta da sua vida. Esse era o
equilíbrio. E foi quebrado.
A
senhora agora quarentona estava a chorar. E chorou por horas
seguidas. Queria a pimenta, os pincéis, as tintas e o direito de
sonhar novamente. Mas a vida é assim. E depois das lágrimas pegou a
espoja e terminou de lavar as panelas que usaria para cozinhar o
almoço naquela manhã. Ela usou o sabão.
Thays Teixeira
Da Redação de um jornal.
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